
O Sociólogo e o Combatente.
A implantação maciça das artes marciais orientais nas sociedades ocidentais tem conduzido.
a psico-socidlogia a colocar, nestes últimos anos, a questão do status destas práticas dentro da dinâmica atual. O porquê das artes marciais? artigos e tes~s que analisaram o fenômeno salientam que:.
1. as Artes Marciais, otimizando a descarga agressiva, tem um papel de derivativo de resposta a violência das . sociedades industrializadas, como válvula de escape individual e coletiva. Dentro da dinâmica social, as Artes Marciais são então reguladoras de tensão!j.
2. Os perigos sociais, hoje são menos de agressão corpo a corpo e parecem ser mais de agressões psicológicas , tais como pressões no trabalho, insegurança existencial competições para o sucesso, etc. ), .
Dessa forma o papel primeiro das Artes Marciais caiu em desuso- aquele que treina para combater, se engana de inimigo: ele adia sua resposta às agressões sociais para o tempo do treinamento e a desloca para um outro terreno. O combatente de Artes Marciais se esgota então num duelo metafórico; ele combate inimigos ausentes, através do seu adversário..
3. Alguns psicologos examinam o aspecto relacional nas Artes Marciais, as motivações dos praticantes. .
"Eu treino para o combate porque eu me sinto inseguro", é em geral a motivação inicial, o que é visto por um grupo de psicologos como um reflexo paranóico. Já os psicanalistas, argumentam que as Artes Marciais podem ser vistas como ritualizações sado-masoquistas.Num jogo onde se alternam o "tome essa" e o "faça-me mal" , a análise psico-social tem a tendência de tomar as Artes Marciais "ao pé da letra", de só ver a marcialidade (a representação dos combates, enfrentamento corpo a corpo) e a adotar, a perspectiva superficial do iniciante. Todavia, o exame aprofundado dos esportes que não se dedaram "Marciais" (futebol, rugby, basquete, volei... ) revela um conteúdo pleno de simbolismos guerreiros nos quais encontramos desordenadamente: luta, dominaçãavencedor-vencido, vitória-derrota, etc. A atitude dos praticantes é altamente agressiva, competitiva, mesmo se a disputa é mediada por uma bola ou por um alvo. .
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AS ORIGENS - Em prindpio, as Artes Marciais orientais se distinguem dos esportes, se bem que algumas dentre elas Oudo, karate) invadiram este campo de atividade. Não havia no espfrito dos criadores dessas disciplinas o objetivo explfcito de brlhar nas competições internacionais, mas sim o desejo de criar métodos de treinamentoffsico, psfquico e moral. Na basedo projeto marcial dos criadores contemporâneos encontra-se a renúncia à marcialidade, a seu uso. É a idéia do avanço do projeto através de sua própria negação, através de sua perversão. As Artes Marciais se articulam ao redor de um projeto pacifista; não agressão, domfnio de si mesmo, respeito aos outros. As coisas permaneceriam nesse nfvel não fosse as exigências do esporte de competição modificando essa orientação..
O AIKIDO, A TRADiÇÃO E O PRAZER.
A tftulo de exemplo eu gostaria de distinguir o AIKIDO das outras Artes Marciais. É, na realidade, a única prática que existe até hoje afastada dos esportes de competição e que conserva uma ligação real com a tradição japonesa..
Para se avaliar a importância das proposições do AIKIDO, o ponto de vista Psico-sociológico é inadequado. Na verdade respondendo mal a idéia que se faz dos esportes de combate, não se enganjando em competições, riscando de seus objetivos a idéia da supremacia sobre o adversário, o AIKIDO exige do praticante a vitória sobre s.mesmo. O AIKIDO é antes de mais nada, um somatório de proposições em ruptura com o universo cultural ocidental e, de uma certa forma, com universo cultural japonês de hoje em dia..
O AIKIDO é sem dúvida, acima de tudo, um método de recentralizaçJo psico-somática ( perto talvez dos Yogas do corpo, com menos rigidez e hierarquismo ), no qual o treino visa ao aperfeiçoamento e expansão da capacidde ffsica, psicológica e moral. No discurso do AIKIDO, está contida uma idéia de que o praticante participa de um ritual mfstico, um mito das origens. Essa Idéia se organiza ao redor dos seguintes pontos: "centralize-se com todo o seu coração". Quer isso dizer que a prática propõem então refazer, através do exerdcio ffsico, o trajeto do ato criador. Ritual de renovação, de recomeço, presente a todas as problemáticas tradicionais. O AIKIDO é, portanto, uma arte no sentido pleno do termo, visto que ele propõem uma modificação do indivfduo através da aprendizagem de movimentos - um reencontro com o seu esquema corporal. Essa repetição é dar uma chance àquele que pratica, de refazer um mesmo movimento de uma maneira nova, de se situar a cada vez fisica, psiquica, moral,e emocionalmente diferente..
Se dentro da ética esportiva, a satisfação é obtida pela vitória sobre o adversário, No AIKIDO busca-se o prazer imediato. Esta noção de prazer, estranha as análises psico-sociológicas das Artes Marciais, longe de ser um prazer perverso, é uma constante do treino de AIKIDO. Perguntei a um mestre japonês "Qual o objetivo da prática ?" e ele respondeu com humor: "o objetivo da prática é a prática ". Seria.
o prazer sensual do próprio movimento? , O que outro mestre caracterizou como "tendo ,talvez, um bom odor"..
A IMPORTAÇÃO DE SiMBOLOS, O AIKIDO E NÓS.
O dojo é um lugar de sfmbolos , um " mundo" dentro do mundo onde o "sentido" está sempre presente. O AIKIDO mantém ainda no essencial a atmosfera e os valores das velhas escolas de Artes Marciais. A idéia de vida em sociedade, do homem em relação ao seu semelhante e em relação ao Cosmos está presente durante a prática..
Dessa tradição, eficaz em sua época, o que podemos aprender hoje em dia ?É possfvel trazer para os dias de hoje, essas tradições e valores?.
Sim, e o Aikido é um exemplo disso, pois é uma convivencia pacifica entre o velho e o novo, a tradição e a inovação. sendo influenciado e influenciando a cultura ocidental. Uma sociedade se fortalece ao procurar nos modos devida tradicionais modelos para a sociedade de amanhã..
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Patrick Delmas - Filósofo, prof. da Universidade de Villetaneuse, especialista em tradições orientais..
Extraído do livro AIKIDO FONDAMENTAL de Christian Tissier.
Traduzido por Bento F.Guimarães, aikidoista do Rio.
Revisão técnica de Jorge Vieira, psicologo, aikidoista de Brasília