A morte é inevitável, prepare-se!

Kisshomaru Ueshiba
Kisshomaru Ueshiba

O Fundador Ueshiba ensinou que o desenvolvimento do nen era a concentração unifocada do espírito, ao buscar a união com a realidade universal que nos trouxe para essa vida na Terra. Quando mente-corpo unificados pelo nen harmonizam-se com o princípio de um universo ordenado, uma pessoa torna-se livre do egocentrismo e o egotismo, dando origem a um poder sobrenatural onividente. A pessoa de acordo com o princípio da mudança universal, move-se habilmente, com leveza e agilidade, capaz de manifestar-se livremente nos movimentos esféricos.

Nen, a sincera concentração que busca a unidade da ordem no universo e o princípio das mutações, torna-se a fonte do trabalho sutil do ki. Quando este sutil trabalho, arraigado no nen, é manifestado no coração e mente de um praticante, ele se torna livre e aberto, e sua visão interior (insight) torna-se penetrante. Quando o nen trabalha no corpo, o resultado é o movimento dinâmico e vigoroso em rotação circular e esférica. Em resumo, nen é o fio que conecta o ki-mente-corpo e o ki universal.

A descoberta do nen pelo Grão Mestre Ueshiba pode ser atribuída aos seus incansáveis treinos durante um período de muitos anos, mas foi a sua experiência em situações críticas de vida ou morte que trouxe à luz esse conceito. Elas podem ser consideradas como tendendo ao milagroso ou sobrenatural, mas sem dúvida foram alguns dos mais significantes acontecimentos da sua vida.

Uma dessas situações ocorreu durante a sua visita ao interior da Mongólia, entre os meses de fevereiro e junho de 1924, quando acompanhou Onisaburo Deguchi, líder da seita religiosa Omoto (??? Oomoto?), para fazer um levantamento do um local onde estabelecer uma Terra Santa, que seria o centro para todas as religiões, tanto quanto a base para a nova ordem político-social mundial. As condições em toda a região estavam transtornadas e violentas, e a viagem foi feita com risco de suas vidas.

Não podemos entrar nos detalhes dessa aventura, mas o grupo dirigiu-se para o local destinado, no distrito Xing’an, acompanhado por um grupo de soldados conhecido como Exército da Independência da Mongólia Interior e Exterior. Eles foram atacados muitas vezes pelos soldados nacionalistas chineses e por grupos de bandidos saqueadores montados a cavalo que se encontravam por toda a região. Nos desfiladeiros das montanhas próximas a Tongliao, foram cercados por todos os lados. Diz-se que o Fundador achava que a morte era inevitável e preparou-se para o fim. Enquanto enfrentava as rajadas de balas experimentou uma calma imperturbável, e, sem mover-se de sua posição, escapou das balas por um leve deslocamento do corpo. Milagrosamente, ele escapou não apenas ileso, mas intacto. O fundador mais tarde recontou esse incidente em suas próprias palavras:

Eu não podia me mover de onde estava. Então quando as balas vinham em minha direção, simplesmente girava meu corpo e virava minha cabeça. Pouco tempo depois, quando concentrei minha visão, podia intuitivamente dizer de que direção o inimigo atiraria, mirando da direita ou apontando os rifles da esquerda. Eu podia ver seixos de luz branca irradiando momentos antes das balas. Eu as evitava girando e desviando meu corpo, e elas por um triz não me atingiam. Isso aconteceu repetidas vezes, não me deixando quase tempo para respirar, mas repentinamente tive um insight penetrando a essência do budô. Vi claramente que os movimentos das artes marciais adquirem vida quando o centro do ki está concentrado no mente e no corpo da pessoa e que, quanto mais calmo me tornava, mais clara se tornava a minha mente. Podia intuitivamente ver os pensamentos, inclusive as intenções violentas dos outros. A mente calma é como o centro fixo de uma roda de afiar; por causa do centro fixo, a roda é capaz de girar uniforme e rapidamente, dando quase a impressão de estar imóvel. Essa é a clareza da mente e do corpo (sumi-kiri) que eu experimentei.

Um incidente posterior na vida do Fundador convenceu-o ainda mais da clareza que se pode alcançar pela mente e corpo calmos. Isso aconteceu em um dia no primavera de 1925, no seu dojô Ayabe (??? em Ayabe?), quando foi desfiado por um oficial da marinha munido de uma espada. O Fundador enfrentou seu atacante com as mãos vazias. Cada investida do oponente com sua arma, ele se movia muito levemente, e evitava as estocadas e cutiladas da espada. Os movimentos fluidos e evasivos do Fundador foram demais para o oficial que logo desistiu, exausto. Mais tarde, o Fundador recordou esse evento, dizendo:

Não foi nada. Só uma questão de clareza da mente e do corpo. Quando o oponente atacava, podia ver um lampejo de luz branca, do tamanho de um seixo, voando antes da espada. Podia ver claramente que quando uma luz branca brilhava, a espada a seguiria de imediato. Tudo que fiz foi evitar os fluxos de luz branca.

Nesse incidente, idêntico à experiência que tivera no interior da Mongólia, o Fundador foi capaz de perceber, intuitiva e instantaneamente, mesmo os movimentos mais sutis, resultantes do pensamento antagônico de um inimigo. Anos depois, ele se referiu a estas percepções sutis e insights como vibrações do corpo ecoando as vibrações do universo”, e compôs poemas como este:

Situada entre o céu e a terra Ligada a todas as coisas com o ki, Minha mente é colocada No caminho do ecoar de todas as coisas.

Essa foi a compreensão da essência ou coração do aikidô, e daí o desenvolvimento dos pensamentos de amor e harmonia do Fundador.

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tradução de J.F.Santos- Brasilia Aikido Shikanai.

há 16 anos 8 meses