Eu sou espada...., espada, entendeu?

Kim Taylor

Estudando Katori Shinto Ryu, no Japão.

Em setembro de 1993, comecei a treinar no Sugino Dojô, em Kawazaki,  Dojô do reconhecido sensei Yoshio Sugino. Eu obtive o telefone e o endereço do Dojô com meu Sensei em Calgary, foi ele quem me introduziu no Iai Dô três anos antes.

Eu nunca vou esquecer aquele meu primeiro dia.

Qualquer pessoa que tentou encontrar um lugar no Japão munido apenas com o endereço e pouco conhecimento da língua Japonesa entenderá a frustração que senti ao procurar o Dojô. Eu passei quase uma hora procurando nas periferias de Kawasaki, despertando a curiosidade das donas-de-casa que arejavam seus futons. Finalmente, para uma delas, mostrei meu pedaço de papel com o endereço, mas ela apenas balançava a cabeça e sorria. Eu estava quase voltando, mas ao invés disso eu perguntei a ela, “Dojô”? Sugino Dojô?

Imediatamente sua face clareou e ela acenou com a cabeça, sorrindo. “Ah, Sugino Dojô! So,so,so...” Ela começou uma onda de explicações em japonês, então aproveitei a animação e pedi a ela para desenhar um mapa e com isso estava pronto para achar o lugar.

Eu cheguei até a porta (pela qual já passei várias vezes), e batí. A porta foi aberta por um velhinho pequeno e sorridente que me cumprimentou e me conduziu para dentro, era o Sensei Sugino em pessoa. Ele sorriu o tempo todo que estive lá, apertando a minha mão (cumprimentando) e se curvando (o cumprimento japonês) tantas vezes que pensei que minhas costas iriam desabar de tanto abaixar e levantar. Ele mostrou uma televisão e um vídeo cassete e estava atrapalhado entre os cabos e as conexões. Ele arrumou toda aquela geringonça e assistimos (sentados no tatame do Dojô) um vídeo de técnicas de Katori Shinto Ryu. O Sensei Sugino observava cuidadosamente minhas reações. Acredito que ele queria ter certeza se eu entenderia o que se significava aquela escola. Que não era defesa pessoal ou bater em pessoas ou até mesmo um esporte, como o Kendô. Quando demonstrei meu entusiasmo, seu sorriso ficou mais eufórico.

Eu não posso dizer que conheço muito bem o Sensei Sugino. Meu japonês melhorou muito depois daquele dia, mas ainda existe uma grande barreira na comunicação. Em todas as minhas experiências com ele, sempre, ele tem sido incansavelmente gentil, cortês e amistoso. Ele tratava a todos da mesma forma como me tratava: Grande sorriso e respeito por qualquer um que se esforçasse.

Eu nunca o vi apresentar o menor sinal de raiva ou irritação, mesmo quando eu o atingi no cotovelo quando fiz um Yokomen uchi (corte lateral aplicado na altura da cabeça) errado, no lugar de Yokodô (corte lateral aplicado na altura do tronco e abdômen).Ele apenas sorriu e me pediu que tentasse novamente.

Também, não posso dizer que conheço muito bem a escola Katori Shinto Ryu. Eu aprendi os katas mas somente tempos depois entendi, as razões destes movimentos. Falta-me, ainda, a base espiritual.

Um treino normal no Sugino Dojô era de  duas horas e meia. Inicia-se com dois cumprimentos e duas palmas, ritual associado ao Xintoísmo.

Daí, então se treina Maki-uchi men em duas fileiras, frente a frente.

Maki-uchi é o ataque básico do Katori Shinto Ryu.

É um ataque direto na cabeça, diferente do shomen uchi que trás a espada pra cima da cabeça (em Jodan) e depois desfere o ataque. É diferente, no Maki-Uchi o ataque sai pelo lado. De seigan ou chudan-no-Kamae, o pé da frente recua até o pé de trás, e a ponta da espada é trazida para trás do ombro esquerdo, a costa da espada repousa sobre a parte superior do braço esquerdo. Os pulsos estão cruzados no nível da testa, a mão esquerda empurra para o céu.

O corte é feito com a mão esquerda, e a ponta da espada é chicoteada para cima, ao redor e para baixo. Este corte nasceu da necessidade de cortar vigorosamente mesmo portando o capacete na cabeça (com chifres ou adornos em metal) que a maioria dos samurais usava. Estes adornos na cabeça tornavam quase impossível efetuar um potente corte vindo de Jodan  pela dificuldade de levar a espada para trás.  

Praticamos Maki-uchi centenas de vezes, dependendo da vontade do Sensei, e depois fazíamos Yoko-men-Do, e um Yoko na altura da perna. (Yoko-Ashi). No final, normalmente todos estão exaustos. Praticamos as 10 posturas (kamae) básicas e depois seguimos para a pratica dos katas básicos.

É fato que o Katori Shinto ryu consiste apenas de katas, que são muito longos. Os básicos (4 katas, katana contra katana), por exemplo, contam 20 cortes, ou ataques, para cada lado. A finalidade é que  o estudante perceba as várias possibilidades para lidar contra ataques praticando um combate simulado, onde o aluno será atacado várias vezes com a mesma técnica e aprenderá várias formas de se defender deste ataque, enquanto aprende, simultaneamente,  a contra-atacar.

Todos praticam com todos, e a forma de escolher parceiro é aleatória. Se um aluno mais antigo que estivesse treinando comigo cometesse um erro, eu ficava a vontade para questioná-lo e eu agradecia os questionamentos dos alunos mais novos (quando eu conseguia entendê-los!!). Ninguém sentava em Seiza enquanto esperava pela sua vez (apenas dois pares treinavam por vez), ao invés disso caminhávamos pela sala rindo e comentando sobre como frio ou quente estava o clima.( Nota- o Dojô e Kawasaki era muito pequeno!!)

A maioria dos treinos hoje em dia são organizados pelo filho do Yoshino Sugino, o sensei Yukiriro. Ele é um homem forte e animado que consegue, entretanto, amedrontar qualquer estudante desatento (eu pude confirmar isso pessoalmente!!) pela sua velocidade e pela força de sua técnica.

Ele também tinha o hábito de esquecer qual o Kata que estava ensinando, o que dava um ar de graça e camaradagem no local.

Eu não consigo transmitir o bastante como harmonioso e divertido treinar neste ambiente deste Dojô.

Eu freqüentava também o Yoshinkai Hombu Dojô, em Ochiai,  eu achava o nível de instrução excelente e as pessoas eram suficientemente amistosas, porém faltava o clima de “família” que o Sugino Dojô tem. Semana passada eu me juntei ao festival de verão local e ajudei a carregar um santuário pesado pela vizinhança (para a agonia final dos meus ombros!!) e mais depois ganhei uma turnê de duas semanas no Japão patrocinada pela Cervejaria Kirin Beer.

Nós treinamos com rigor, e éramos informados de forma inequívoca quando cometíamos um erro (uma vez eu tive meu Bokuto sendo arremessado pelo tatame porque eu não o recolhi rápido o suficiente pela quadragésima vez!!(), nas ninguém nunca falava nada ou tirava sarro de ninguém, a não ser dos próprios erros.

Katori Shinto Ryu Iai Jutsu é caracteristicamente forte, direto e simples. Eu acredito que a técnica mercante é a Suwatte-Iai, Sankajo: “Nuki-uchi no Tachi”. Este Kata começa em Iai-Goshi (como todas as técnicas do Suwate-Iai), e não é nada além de um corte direto na cabeça. A parte difícil, além bater com a espada e cortar sem girar o braço,é que você tem que saltar e cortar em pleno ar, caindo no mesmo instante em que termina o corte. Para ver o desempenho de um samurai competente, isso é inspirador.

Embora eu tenha aprendido muitas coisas em meus dois anos no Sugino Dojô, eu sei que mal tenho começado a adquirir as habilidades de um samurai. A experiência foi nada menos do que maravilhosa, e eu serei sempre grato pelas pessoas gentis do Sugino Dojô que não permitiram que a barreira do idioma os privasse de me ensinar lições inestimáveis na espada, da vida japonesa e de mim mesmo. Eu espero ter agradecido a eles da forma apropriada.

Nota: Este artigo já tem alguns anos, eu o tinha perdido em algum lugar do meu computador, refere-se ao meu amigo Corey– KIM TAYLOR- The Iaido Journal Apr 2006.

SUGINO DOJO - 3-12 Nakasaiwai-cho
Saiwai-ku- Kawasaki-Shi- Japan 212-0012
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Tradução e adaptação Gustavo N. Santos.

há 15 anos 11 meses